segunda-feira, 27 de junho de 2011

“Dá-me guitarra”

Um poema de homenagem a António Feio que morreu em julho de 2010, escrito por Catarina, a segunda filha mais velha do ator.
Um trabalho pedido pela Cultura levou-me, numa quarta-feira, 06 de outubro de 2010, ao Teatro Experimental de Cascais (TEC) para uma homenagem a António Feio.
Lembro-me que chovia torrencialmente e, depois de andar perdida à procura do local, cheguei mesmo em cima da hora, mas muito a tempo de assistir a um momento emocionante que jamais irei esquecer.
Sala pequena, cheia de gente, amigos, colegas, desconhecidos, curiosos. O nome de Eunice Muñoz era anunciado pelo encenador Carlos Avilez, diretor do TEC. Tinha sido convidada para declamar o poema de homenagem a António Feio.
A um aplauso, agradecido humildemente pela atriz, seguiu-se o “Dá-me Guitarra”.
Palavras simples, sentidas, de uma filha que chora a perda do pai e que ganharam ainda mais força por serem proferidas pela grande senhora do teatro que, à semelhança do público, não conteve a emoção.
Foram cerca de cinco minutos num silêncio absoluto. Dezenas de pessoas naquela sala pequena entregue à voz da grande Eunice que, sem surpresas, cumpriu na perfeição a missão que lhe havia sido destinada.
Todos a ouviam atentamente, sem o mínimo movimento, sem o mais pequeno ruído (à exceção dos disparos das máquinas fotográficas dos colegas presentes), como se todos tivessem contido a respiração para não atrapalhar um segundo.
No final, entre lágrimas, sorrisos, abraços e uma sala inteira de pé a aplaudir, Eunice fez uma expressão envergonhada para o público e devolveu a ovação a Catarina, que abraçou com ternura a atriz em forma de agradecimento.
Eu estava ao fundo da sala, em pé, estrategicamente colocada para poder assistir àquele momento que sabia que iria ser emocionante e, claro, emocionei-me.
Enquanto batia palmas freneticamente, lembro-me da primeira coisa em que pensei e pela primeira vez em dois anos desde que estou a trabalhar: “Que sorte que eu tenho em ter esta profissão”
Deixo-vos aqui o poema da Catarina Feio e, se for possível (acho que não é), tentem imaginá-lo a ser declamado pela Eunice Muñoz:

Foi presunção nossa? Talvez…
Passar por esta contrariedade
Sem remoer nos “porquês”
E mantendo alguma vaidade.

Será culpa tua? Jamais…
O guião já tinha sido escrito
E neste mar de vendavais
Nunca te ouvimos um grito.

Se isto faz sentido? Sei lá…
A incerteza não nos conforta,
Mas o que a vida nos dá
Não é a única coisa que importa

Amanhã será melhor? É irrelevante…
Agarrar-me-ei esta madrugada
A algo insignificante,
Que me manterá motivada.

Da tua perda, já sei o sabor
E já chorei toda a nossa saudade,
Ao despedir-me, pedi-te um favor…
Volta p’ra nós e volta de verdade.

Não quero ficar a sós
Com este amor que nos amarra
Acompanha a minha voz
E dá-me guitarra

Já nos vejo renascidos
Numa azáfama tranquilizadora
Com projectos enriquecidos
E a tua mente mais sonhadora.

Os afectos, mais frequentes
E bem próximos do que eu sonhara.
Os receios? Estão ausentes.
A ferida dói, mas também sara.

Da tua perda, já sei o sabor
E já chorei toda a nossa saudade,
Ao despedir-me, pedi-te um favor…
Volta p’ra nós e volta de verdade.

Não quero ficar a sós
Com este amor que nos amarra
Acompanha a minha voz
E dá-me guitarra

2 comentários:

  1. Deve ter sido um momento mágico...eu li o poema e arrepiei-me só de sentir a dor de perder alguém...nem imagino como será ouvir o poema da voz da grande Eunice.

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