quarta-feira, 14 de setembro de 2011

"Chernobyl"

Foi a 26 de abril de 1986 quando uma explosão no quarto reator da Central de Chernobyl, na antiga república soviética da Ucrânia provocou o maior acidente nuclear da História. A explosão provocou fugas de radioatividade para a atmosfera, cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir.
Pouco sei sobre este acontecimento, mas não esqueço fotografias que vi de pessoas monstruosas [desculpem alguma crueldade no termo mas não encontro outro adjetivo] e o olhar inocente das crianças com quem falei recentemente numa reportagem.
São “vítimas de Chernobyl”, ucranianas, que vieram a Portugal passar um mês de férias com famílias de acolhimento portuguesas. É um programa que existe há 3 anos.
A Lusa mandou-me ao Jardim Zoológico passar a tarde com elas, no dia da despedida, do regresso a casa, feliz para uns (as famílias que veem chegar), triste para outros (as famílias que veem partir).
Estavam traçadas as linhas para escrever uma reportagem de emoções.
Primeiro, é de louvar haver famílias que, voluntariamente, recebem estas crianças e ouvir dizê-las “são como filhos”.
Segundo, ouvir as próprias crianças contarem o modo como vivem na Ucrânia, os hábitos tão diferentes dos nossos.
Acompanhei duas famílias, uma que “adotou” Alex e outra que ficou com Viktoria.
Ele era uma criança desinibida, notava-se o à-vontade que tinha com os pais portugueses e a confiança já conquistada, ainda que a comunicação entre eles fosse apenas por gestos.
A “mãe” dizia que ele tinha poucos hábitos de higiene: não lavava os dentes, comia peixe com as mãos, levantava-se da mesa enquanto o jantar ainda não tinha terminado. Eram atitudes normais na sua casa na Ucrânia.
Na outra família estava inserida Viktoria, uma menina loirinha, olho azul, com manchas de pele visíveis no braço, consequência de Chernobyl, com cara fechada e sobrancelhas quase sempre franzidas que denunciavam alguma revolta.
Lá, a mãe é alcoólica, o pai e o tio morreram no ano passado, os irmãos mais velhos não se preocupam com nada e é ela que tem de cuidar da casa, da horta e da irmã bebé. Com enorme gosto pela escola, as obrigações domésticas impedem esta menina de 8anos de estudar.
Esta foi a história que mais me comoveu. Contada por um “pai”, o português, cujos olhos brilhavam quando falava dela e que disse querer adoptá-la definitivamente.
Disse que era a filha que não teve, que a amava, que queria educá-la e dar-lhe a vida feliz que não tem.
Já tinha ido à Ucrânia tentar trazê-la para Portugal, sem sucesso. Prometeu que este ano voltaria para que ela viesse passar o Natal.
Chorou quando se despediram.
Enfim, tudo isto para dizer que há trabalhos e histórias que marcam.
Não bastava serem crianças, como tinham também de carregar uma história de vida incapaz de deixar indiferente.
Se há trabalhos que são um frete e que não me dão inspiração para escrever sequer uma linha, pois este encheu-me, ou melhor, preencheu-me.
Foram 4 horas de reportagem no Jardim Zoológico, numa tarde de domingo de Agosto, um calor insuportável, andar o tempo todo com o tripé da câmara de filmar às costas, tinha entrado as 11:00 e saí às 22:00.
Em qualquer outra situação isto era capaz de me enfurecer com infindáveis palavrões, mas ali, naquele dia, com aquelas crianças, aqueles pais de coração, aquelas histórias, as lágrimas e os sorrisos, fiquei…assim.
A todos os que ambicionam esta profissão e não sabem dizer a razão, pois bem, poder "viver" e contar histórias destas, é a minha.

O vídeo que editei e texto que escrevi:
http://videos.sapo.cv/78sOts1KFC66VWYzHwQi
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1958131&page=-1

O JN não assinou como “Lusa” a reportagem que escrevi, coisa que, aliás, já vem sendo habitual. Talvez seja assunto para aqui falar/escrever um dia destes.

MDM

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